O noticiário de fim de ano tem pautado assuntos diversos. Seria interessante falar sobre os cidadãos de bem, todos patriotas, que, em nome do combate ao comunismo, acampam há mais de um mês em frente do quartel do 28 BC para pedir que as Forças Armadas promovam uma intervenção militar na democracia brasileira. Pois é, podia questionar os órgãos de segurança pública e de justiça sobre o tratamento diferenciado quando se compara com o dado aos acampamentos/ocupações promovidos por entidades do movimento social (MST, MTST, SINTESE, DCE/UFS, etc.) em prédios públicos. Certamente, daria uma reflexão filosófica, provavelmente, interessante.

Porém, nos últimos dias, um fato despertou minha atenção, o que motivou escrever esta reflexão.

Como tenho pautado temas educacionais em minha participação nesta coluna, não poderia me furtar de comentar sobre o massacre ocorrido na cidade de Aracruz, interior do Espírito Santo, que vitimou 4 pessoas e deixou mais de uma dezena de feridos, algumas em estado grave.

O assassino é um jovem de 16 anos, branco, filho de um tenente da Polícia Militar com uma professora aposentada, provavelmente de classe média. Segundo as reportagens publicadas em diversos jornais, o jovem era calado, não tinha amigos ou amigas, tinha pouca vida social, vivia direto dentro de casa e estava sendo acompanhado por psicólogo. Até onde se sabe, estudou em uma das escolas agredidas e estava, desde o meio do ano, estudando em casa a pedido dos pais. Pois é, pelo jeito, ele era praticamente do homeschooling.

O crime foi, segundo depoimento do próprio jovem, planejado durante 2 anos, executado com o suporte de duas armas pertencentes ao pai, ambas com registro na PM/ES, e o carro particular da família. Ele estava encapuzado, usando uma roupa camuflada e um faixa com o símbolo da suástica no braço.

A polícia tenta desvendar se o assassino teve algum tipo de instrução para aprender a manusear as armas, quem ensinou ele a dirigir, se o crime tem algum tipo de ligação externa, especialmente em grupos existentes nas redes sociais e, principalmente, a motivação do crime.

Enquanto a polícia capixaba desempenha seu trabalho com lisura e seriedade, especulo que o ocorrido em Aracruz volte a acontecer em outras localidades brasileiras com mais frequência. Explico. Nas últimas décadas, a escola, especialmente a pública, virou alvo dos mais tipos de ataques. O fato dela ainda ofertar uma educação com qualidade insatisfatória, tem legitimado, para algumas pessoas, seu achincalhamento em praça pública.

Quando um movimento que se diz representar os pais pleiteia o direito de educar os filhos em casa, quem é o alvo de sua crítica?

Quando um movimento se auto intitula defensor da liberdade de pensamento e começa a proferir acusações contra o que identifica ser “professores doutrinadores”, “professores militantes” ou, simplesmente, começa a dizer que as crianças e jovens precisam ter o direito de serem educadas de acordo com os valores morais da própria família, quem é o alvo de sua crítica?

Soma-se a resposta desses questionamentos o fato de que, nos últimos anos, termos vivido uma escalada armamentista sem precedente em nosso país. Se para boa parte da população o padrão norte-americano de sociedade é o ideal, estamos diante da importação do que há de pior da potência capitalista.

Em nome da autodefesa, o presidente do país e seus apoiadores fazem abertamente a defesa do armamento em massa da população, alegando que um povo armado jamais será escravizado. O resultado é que a própria Polícia Federal, órgão federal responsável para fiscalizar os clubes de tiro, empresas privadas de segurança e os denominados CAC’s, declarou não ter condições de exercer tal função.

Hannah Arendt, filósofa judia e que conviveu de perto com o nazismo, cunhou a expressão banalidade do mal. Grosso modo, o mal não é um problema natural ou algo que possua caráter teológico. O mal passa pela dimensão política. Por banalidade pode-se dizer, de forma resumida, que é algo eticamente prejudicial à sociedade, mas passa a ser encarada como normal.

Recorro a ela para afirmar, infelizmente, que o massacre de Aracruz não foi o primeiro, muito menos será o último que veremos dentro de uma escola. No interior de nossa sociedade, há pessoas que veem a escola como algo maléfico, que corrompe uma suposta bondade humana. No caso dos professores e professoras, além de profissionais pessimamente qualificados, avaliam que eles são verdadeiros aliciadores de crianças e jovens na promoção de militância política, perversão moral e, até mesmo, sexual.

Ora, o que resta então para esta parcela da sociedade? Anular a escola como instituição social, pública, apresentando-lhe como um espaço ineficiente e inseguro. Em um sentido mais radicalizado, exterminar os profissionais que trabalham dentro dela e/ou quem estiver dentro dela. É o ódio a escola sendo corporificado em nosso cotidiano, ganhando o tom de vermelho sangue.

Resta-nos, em sentido oposto, não normalizar o que Hannah Arendt denomina de banalidade do mal. Se o ódio a escola é uma decisão política, a sua valorização também é uma decisão política. Sem ter a pretensão de enaltecê-la acriticamente, muito menos romantizá-la, a escola é o locus onde o direito à educação é universalizado.

Em suma, é a materialidade do direito à educação para todos que pode alinhar o Brasil, enquanto nação, no caminho civilizatório, contrapondo-o à barbárie ocorrida, por exemplo, em Aracruz.

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